“O Brasil hoje conta com mais de 15 milhões de trabalhadores terceirizados. Atualmente, o único instrumento legal no País que regula a terceirização no setor privado é o Enunciado 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o qual proíbe a terceirização para atividade-fim da empresa, mas a admite para atividades-meio e nos serviços de vigilância, conservação e limpeza. Já no setor público, o Decreto 2.271, de 1997, limita a prática às atividades instrumentais, complementares e auxiliares. Foi com a intenção de regulamentar essa situação que o deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO) propôs o Projeto de Lei 4.330, em 2004.
O texto, no entanto, está causando polêmica e sendo combatido por movimentos sociais, magistrados e procuradores. Nesta terça-feira (3/9), o PL 4330/04 foi alvo de manifestações populares de setores contrários à proposta. A reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, na qual o texto poderia entrar em pauta, acabou sendo cancelada, após intenso tumulto no local, que foi tomado por manifestantes. Houve, inclusive, confronto com a Polícia Militar do lado de fora.
A maioria dos manifestantes contrários à proposta de regulamentação do trabalho terceirizado é de membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT). De acordo com o presidente da entidade, Vagner Freitas de Moraes, o cancelamento da sessão da CCJ foi uma vitória. “Nossa proposta é que esse projeto seja arquivado. Ele é nocivo para a classe trabalhadora e para o Brasil”, disse o presidente da CUT. Ele ressaltou ainda que todas as pessoas presentes na comissão nesta terça-feira eram trabalhadores. No Senado Federal tramita o PLS 422 de 2012, que institui normas relativas ao controle, transparência e proteção ao trabalho na contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública Federal.
Polêmica
Na opinião do juiz da 3ª Vara do Trabalho de Brasília, Francisco Luciano de Azevedo Frota, a proposta representa um golpe fatal no Direito do Trabalho, pois tem o escopo de precarizar direitos, permitindo contratações e subcontratações de mão de obra de forma precária e sem critério. “O projeto admite até a ‘quarteirização’, um verdadeiro cheque em branco para os empregadores, sem falar no enfraquecimento da luta coletiva pela fragmentação da classe laboral”, alertou o magistrado.
Esta semana, o Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania – integrado por advogados, professores e magistrados, entre eles os juízes do trabalho de Brasília Paulo Henrique Blair de Oliveira e Noemia Aparecida Garcia Porto – divulgou um manifesto de repúdio ao PL. “O projeto de lei, ao permitir a intermediação de mão de obra, ou merchandage, ofende um dos princípios básicos da Organização Internacional do Trabalho, o de que o trabalho humano não é mercadoria, e retira do trabalhador a condição de sujeito que oferta e contrata sua mão de obra para impor a ele a condição de objeto de um contrato de prestação de serviços entre duas empresas”, afirma o manifesto.
Já o deputado Sandro Mabel defende que o projeto de lei tem também o objetivo de estimular a especialização dos trabalhadores. “O texto permite que se terceirize tudo por especialidade, pois a especialização cada dia é maior e por isso é necessário regulamentá-la”, justificou o parlamentar.
Posições no TST
Em maio deste ano, a ministra Katia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) participou do evento “A Precarização do Trabalho nos 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho”, realizado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. Lá a ministra explicou os problemas da terceirização. “Para se ter uma ideia do tamanho do problema, na Petrobras são 295 mil terceirizados e só 76 mil trabalhadores diretos, mas os acidentes de trabalho alcançam principalmente os trabalhadores terceirizados”, disse. Para a ministra, a terceirização precisa ser melhor avaliada, regulada e discutida no Brasil.
A mesma opinião tem o presidente do TST, ministro Carlos Alberto Reis de Paula. Segundo ele, o assunto é delicado. “Na questão da terceirização temos que ter muito cuidado porque o trabalhador desprotegido se torna frágil”, argumentou. O ministro Maurício Godinho Delgado, também do TST, mostra-se preocupado com os projetos em tramitação no Congresso Nacional. O ministro fez a declaração em seminário realizado na Confederação Nacional da Indústria (CNI) no dia 20 de agosto último. ” Nós achamos que o projeto de lei que está sendo debatido generaliza a terceirização, torna a terceirização descontrolada e isso certamente vai rebaixar a renda do trabalho em índices alarmantes no país”, afirmou.
Godinho Delgado disse que acompanhou o processo todo. “Há cinco anos que acompanho essa tramitação e a minha ponderação é de que realmente não me parece o melhor caminho fazer uma generalização numa situação de descontrole completo da terceirização. Tudo poderá ser terceirizado por este projeto, até o trabalho doméstico poderá ser terceirizado. Acredito que o projeto não tem a dimensão da relevância do trabalho humano numa sociedade democrática. O projeto vê o trabalho humano como um custo”, finalizou o ministro.
Situação das empresas
As empresas de prestação de serviços, normalmente conhecidas como empresas terceirizadas de órgãos e empresas públicas, somam 22 posições das 100 empresas que possuem mais processos julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros, ainda sem quitação.
Entre as 20 primeiras empresas do ranking, seis são ligadas a segmentos da atividade agrícola (agroindústria e agropecuária); outras cinco pertencem ao setor de terceirização de mão de obra, vigilância, conservação e limpeza; quatro atuam na área de transportes (duas aéreas, Vasp e Sata, e duas rodoviárias, Viplan e Wadel); e duas são bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal/CEF).
Apenas as cinco empresas de terceirização de mão de obra, vigilância e serviços gerais listadas entre as 20 mais, somam 9.297 processos. A Sena Segurança Inteligente Ltda., por exemplo, figurava na lista de 2011 na 9ª posição, em 2012 subiu para 5º e em 2013 está em 2º lugar, atrás apenas da Vasp.
Segundo estudo de 2012 do Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sindeprestem), de São Paulo, o setor emprega 10,5 milhões de pessoas. Esse número representa 31% dos 33,9 milhões de trabalhadores com carteira, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) feita em 2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).”
Fonte: TRT 10ª Região