O Supremo Tribunal Federal deverá julgar, possivelmente em agosto, caso de extrema relevância para a segurança jurídica, com profundos reflexos na economia. Trata-se de recurso extraordinário em ação civil pública em que está em jogo o futuro do contrato de prestação de serviços, regido pelo Código Civil, impropriamente conhecido, na esfera trabalhista, como terceirização.
O problema surgiu em outubro de 1986, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST) adotou o Enunciado n.º 256, para considerar ilegal a contratação de empregados por empresa interposta, prática punida com a transposição do vínculo de emprego da prestadora para a tomadora de serviços. Da antiga composição do TST nenhum ministro segue em atividade, exceto o dr. Marco Aurélio Mello, integrante do Supremo Tribunal Federal.
Quando a Constituição de 1988, no artigo 37, II, exigiu concurso público para admissão de empregado em estatais e sociedades de economia mista, a parte final do enunciado foi afetada diante da impossibilidade de, em tal caso, se proceder à troca de empregador por comando judicial. Compelido a rever jurisprudência ultrapassada pelos fatos, o TST adotou a Súmula 331/93. Ao trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/75, e serviços de vigilância, objeto da Lei 7.102/83, acrescentou conservação e limpeza, “bem como serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”.
A essa altura a terceirização se havia expandido na esfera da iniciativa privada e avançava no setor público, mediante contratos de prestação de serviços com o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Prestadoras de serviços a terceiros reuniram-se em fortes entidades sindicais, o mesmo ocorrendo com centenas de milhares de empregados da nova categoria profissional.
De imediato, dois aspectos da Súmula 331 se revelaram polêmicos: 1) a responsabilização subsidiária do tomador de serviços por débitos trabalhistas, no caso de órgão da administração pública direta, indireta e fundacional; 2) o impedimento à terceirização do que se passou a entender como atividade-fim.
Algum tempo depois o TST se viu exigido a alterar a regra alusiva à responsabilidade subsidiária de órgão da administração direta ou indireta, em obediência à Lei 8.666/93, eis que a Justiça do Trabalho não dispõe de competência para tomar decisões relativas a licitações e contratos públicos.
No tocante à diferença entre atividade-meio e atividade-fim, decidindo sobre admissibilidade de recurso extraordinário, o ministro Luiz Fux vai ao fundo da questão, preocupado “com condenações expressivas por danos morais coletivos”. Refere-se S. Exa. às reclamações e ações civis trabalhistas nas quais se visa o impossível: traçar nítida linha divisória entre ambas nas sociedades industriais, comerciais, financeiras, de comunicações, transportes e serviços de saúde que contratam prestação de serviços.
A pergunta que naturalmente ocorre é: qual a atividade-fim de qualquer gênero de negócio? A resposta não está na CLT. Encontra-se no artigo 981 do Código Civil, segundo o qual “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
Resultado, segundo a Lei das Sociedades Anônimas, compreende receitas, despesas, lucros. Ninguém organiza empresa para colher prejuízos, pois sociedade que admite amealhar perdas se condena ao encerramento ou à falência.
A Constituição protege o direito de propriedade (artigo 5.º, XXII), concede plena a liberdade de associação para fins lícitos (artigo 5.º, XVII), garante o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (artigo 170, § único). A CLT, por sua vez, define como empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos inerentes a qualquer atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (artigo 2.º).
Desta sorte, ao exercer direitos que a Constituição lhe confere, a empresa assume riscos, tanto mais acentuados quando se convive com a instabilidade econômica e jurídica reinante entre nós.
Privar a empresa da possibilidade de contratar serviços, criando-lhe empecilho metafísico ignorado pela lei, viola garantias constitucionais e legais, gera insegurança, incrementa a propositura de reclamações e ações civis públicas, estrangula a economia, eleva custos, destrói empregos.
Diversas leis preveem a terceirização. É o caso da Lei Geral de Telecomunicações, da lei sobre trabalho temporário, da que regula as licitações e os contratos da administração pública. Nenhuma, entretanto, que a impeça. Vem à lembrança o artigo 5.º, II, da Constituição, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.
A conversão da responsabilidade subsidiária, da empresa privada, em responsabilidade solidária, acompanhada da eliminação da alusão à atividade-meio, fariam do Enunciado 331 a fórmula ideal para solução transitória do impasse em torno da matéria, até manifestação do Poder Legislativo. Na Câmara dos Deputados corre projeto de lei fruto de consenso entre patrões e empregados que não é submetido à votação em razão de barreiras erguidas por centrais sindicais de olho grande na Contribuição Sindical, obrigatória.
Empresários e empregados aguardam a palavra decisiva do Supremo Tribunal. Em nome da segurança jurídica, vital para a geração de empregos, é necessário interromper a enxurrada de reclamações trabalhistas e ações civis públicas que têm como pano de fundo surrealista divisão entre atividade-meio e atividade-fim. Uma vez mais o Judiciário corrigirá omissão do Legislativo.
(Almir Pazzianotto Pinto – O Estado de S.Paulo)