Enquanto o projeto do governo de Jair Bolsonaro (PSL) para endurecer as regras para os trabalhadores e trabalhadoras se aposentarem segue acelerado, o combate a sonegação e falcatruas de empresas e a discussão sobre as renúncias previdenciárias andam a passos lentos.
A Previdência pública deve perder este ano cerca de R$ 54,56 bilhões com renúncias previdenciárias – desonerações de folha, exportação rural, filantropia e tributos de empresas pequenas e as optantes do Simples Nacional, que não recolhem 20% de contribuição ao INSS. Este valor é quase 12% maior do que os R$ 46,3 bilhões de renúncia previdenciária que o ilegítimo Michel Temer deu às empresas no ano passado.
O rombo nos cofres do INSS sobe para R$ 85,81 bilhões se somarmos as renúncias previdenciárias e a apropriação indébita. Por ano, os patrões descontam dos salários dos trabalhadores e trabalhadoras, mas não repassam ao caixa da Previdência, cerca de R$ 31,25 bilhões, segundo a CPI da Previdência.
Para o ex-ministro da Previdência, Carlos Gabas, a apropriação indébita dos patrões mostra um retrato gravíssimo de como a falta de fiscalização contribui para o rombo da Previdência.
“Se a empresa não recolhe a parte que é descontada dos funcionários, isto é crime. E este rombo pode ser muito maior porque a parte que cabe ao trabalhador é de 10% e a da empresa, que é de 20%. Se ela não repassa nem a que recolheu, imagine a dela própria. Isto significa que só neste tipo de sonegação pode-se chegar a R$ 93 bilhões”, calcula Gabas.
O ex-ministro diz, ainda, que as empresas que fazem essas falcatruas costumam reincidir no crime.
“Além de não recolher o que devem, quando pagam as dívidas, pagam apenas metade. Se devem 100, recolhem 50. Se tem mil trabalhadores diz que tem 600 e vai deixar de recolher sobre os demais 400 trabalhadores”, diz Gabas explicando as muitas formas usadas pelos patrões para sonegar.
Para o secretário de Administração e Finanças da CUT, Quintino Marques Severo, é preciso que haja um mecanismo onde os trabalhadores possam acompanhar mensalmente se sua Previdência foi recolhida, ao contrário do que fez em janeiro passado o governo Bolsonaro que editou uma Medida Provisória restringindo o acesso de dados públicos.
“Enquanto precisamos de mais transparência, Bolsonaro toma a medida lamentável de restringir o acesso aos dados públicos. Isto vai impedir a verificação das contas do governo, se os encargos e os benefícios previdenciários dos trabalhadores estão sendo pagos ou não”.
A posição da CUT é que o governo cobre e combata a sonegação para que possamos discutir a Previdência de uma forma realista. Do jeito que eles querem, os valores estão distorcidos da realidade
E essa será uma das principais bandeiras do ato da CUT e demais centrais sindicais, no próximo dia 20, quando será realizada uma Assembleia Nacional da Classe Trabalhadora em defesa da aposentadoria e da Previdência Social. Na ocasião, os sindicalistas deliberarão um plano de lutas unitário.
Fiscalização tem de ser aprimorada
O ex-ministro da Previdência, Carlos Gabas, lembra que a Receita Federal é o órgão responsável pela fiscalização da Previdência, mas é preciso melhorar a fiscalização e colocar a máquina pública para cobrar as contribuições em atraso.
“Hoje há créditos previdenciários que ultrapassam os R$ 500 bilhões. Uma parte já foi parcelada, outra parte confessada a dívida, outra está em fase de questionamento judicial. Tudo isso demora muito a ser cobrado e para cobrar, precisa melhorar a legislação de cobrança, inclusive as dívidas tributárias”.
“Em 2017, entre créditos previdenciários e tributários o valor ultrapassava R$ 2 trilhões e 400 bilhões”, afirma Gabas.
Ao invés de atacar o direito do trabalhador, o governo tem de melhorar os mecanismos de cobrança
Modelo de renúncia previdenciária precisa ser revisto
Tanto Gabas quanto Quintino acreditam que é preciso que o modelo de renúncia previdenciária seja revisto para que não se cometa injustiças, pois segundo eles, ela não é de todo mal aos trabalhadores.
“Muitas empresas que aderem ao Simples Nacional realmente precisam de incentivos fiscais, mesmo algumas filantrópicas, mas não é o caixa da Previdência que tem de pagar por esses incentivos”, diz Gabas.
Os bilhões de renúncia fiscal comprovam cada vez mais que a reforma da Previdência se justifica menos, complementa Quintino Severo. Para ele, quem deve arcar com as renúncias fiscais é o Tesouro Nacional, e não o caixa da Previdência.
“A Previdência não tem nada a ver com essas decisões. Mesmo uma política pública importante e fundamental, como a aposentadoria dos rurais, deveria ser responsabilidade do Tesouro Nacional porque quando eles pagam impostos nenhum centavo vai para a Previdência, e sim para o caixa do Tesouro”.
É preciso uma política que reconduza a renúncia previdenciária de forma correta, não como é hoje, pois quem paga é o trabalhador
Modelo de filantropia
Gabas questiona ainda o modelo de filantropia, onde vários ministros decidem a quem dar renúncia, mas nenhum ministério assume o custo, repassam tudo para o INSS.
Ele explica que quem decide quais os hospitais que são filantrópicos é o Ministério da Saúde. Já no caso das universidades, quem decide é o Ministério da Educação, das empresas agrícolas, o Ministério da Agricultura.
“Ora, o Ministério da Saúde que coloque em seu orçamento o desconto que vai ter o hospital; o da Educação, as escolas e o da Agricultura, as empresas agrícolas. Não tem de colocar na conta da Previdência”, defende Gabas.
Quanto ao Simples Nacional, o ex-ministro reconhece sua importância para a economia, mas diz que é preciso que cada segmento seja responsável por sua renúncia fiscal e que os critérios sejam mais rigorosos ao se aprovar a renúncia de cada tipo de empresa.
“Se o pequeno produtor rural tem de pagar 2,1% de imposto de renda porque o latifundiário, grande exportador, tem de ser isento, não pode pagar nada de tributo como é o caso das máquinas agrícolas? Não tem sentido”, questiona.
“Precisamos discutir essas questões antes de mexer na Previdência”, diz Gabas.
Segundo ele, a Previdência tem desafios a ser enfrentados como o envelhecimento da população, mas é possível enfrentar isso sem desmontar o modelo atual de proteção previdenciário.