STF decidiu que, em alguns casos, acordos fechados entre patrão e trabalhador valem mais do que a lei. Isso é bom ou ruim? Qual o papel dos sindicatos na proteção dos direitos?
A reforma Trabalhista de 2017 estabeleceu que os acordos feitos entre patrões e trabalhadores valem mais do que está escrito na lei. É o chamado negociado versus legislado. Veja no final em quais direitos o acordado prevalece sobre o legislado.
A decisão foi contestada no Supremo Tribunal Federal (SFT) porque na maioria dos questionamentos de perda de direitos em acordos coletivos feitos na Justiça do Trabalho, os desembargadores permitiam os acordos vantajosos para os trabalhadores, mas barravam acordos que retirassem direitos.
Ao julgar uma ação sobre uma cláusula do acordo firmado entre a Mineração Serra Grande S.A e o sindicato da categoria que previu o fornecimento de transporte para o deslocamento dos trabalhadores até o local de trabalho, mas suprimiu o pagamento referente ao tempo de percurso, a maioria dos ministros do Supremo concordou com o patrão.
Agora, todos os trabalhadores do país podem perder alguns direitos garantidos em lei, como os da mineração Serra Grande, porque a decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, vale para todas ações que questionam perdas em acordos.
Sindicato será decisivo para manter direitos
Com o negociado valendo mais do que o legislado e o item da reforma trabalhista que autoriza o patrão a fazer acordos individuais com os trabalhadores, o que retira a força do coletivo e reduz drasticamente o poder de barganha, a única maneira das categorias profissionais negociarem acordos e convenções coletivas que não tirem direitos, pelo contrário, mantenha os direitos conquistados e garanta outros, é ter um sindicato forte na mesa de negociação com os patrões.
Um exemplo positivo de como a negociação coletiva pode favorecer os trabalhadores, a partir de um sindicato forte e organizado, vem dos Metalúrgicos do ABC. Na montadora Volkswagen, os trabalhadores conseguiram um acordo coletivo que tem validade por cinco anos, ao contrário da maioria que tem dois anos. Isto impediu que a fábrica de automóveis demitisse durante a pandemia, e mesmo agora com as cinco paralisações na produção por falta de semicondutores, os empregos estão garantidos graças à força do sindicato.
Além de evitar demissões, o acordo coletivo entre o sindicato e a montadora, prevê estabelecimento de dias sem produzir (day off); de redução de jornada de trabalho em 25% e desconto no salário de menos da metade, de 12%.
“Temos possibilidade de ter algo melhor do que a lei oferece, garantindo empregos até superarmos um momento de dificuldade. O acordo coletivo garante empregos, evitando demissões que seriam provocadas por essas crises, como a pandemia da Covid e a falta de chips e semicondutores”, diz o diretor-executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Carlos Dias da Silva, o Luizão.
Só conquista um acordo melhor do que prevê a lei um sindicato forte, organizado, combativo, com dirigentes bem preparados para o embate capital-trabalho, e também com a maioria da base associada, como vários sindicatos CUTistas. Não dá para comparar o potencial de um sindicato numa mesa de negociação com um trabalhador sozinho, sem apoio algum na frente do patrão, explica Valeir Ertle, secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional.
Acordos são para melhorar a vida do trabalhador, mas no momento em que eles podem retirar direitos, principalmente em acordos individuais, é preciso recorrer aos sindicatos que têm muito mais força do que alguém lutando sozinho
Luizão, do ABC, que tem uma base de 70 mil trabalhadores e cerca de 40 mil filiados, concorda com a avaliação do secretário da CUT. Segundo ele, a decisão do STF de que o acordado prevalece sobre o legislado não impacta tanto os metalúrgicos do ABC por causa da força do sindicato.
Mas, alerta o metalúrgico, existem casos contrários como os das empresas do chamado “grupo 10” da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Neste grupo, os trabalhadores são defendidos por pequenos sindicatos, com representatividade de 8% a 10% da base dos metalúrgicos do ABC.
“Enquanto 90% da categoria metalúrgica têm acordos que beneficiam, os que trabalham nas empresas do Grupo 10 ficaram ainda mais vulneráveis à pressão dos patrões para assinar acordos individuais que podem reduzir diversos direitos que hoje eles têm”, explica Luizão.
Para Luizão, o melhor caminho é sempre a saída coletiva, não há trabalhador com força para brigar ou negociar em condições de igualdade com o patrão.
“Tudo o que é coletivo trará melhor resultado e, isso se consegue por meio dos sindicatos, que conseguem acordos que dão tranquilidade ao trabalhador”, afirma
O dirigente sindical recomenda ainda que o trabalhador procure o seu sindicato para intermediar ou viabilizar qualquer acordo; nunca negociar sozinho atendendo ao pedido do patrão, num ambiente fabril, independentemente do que diz a nova lei trabalhista.
O sindicato é o melhor caminho para representar o trabalhador diante da empresa e traz situação de igualdade para todos. É fundamental mudar a lógica do “eu me defendo” para “vamos nos defender”, e o sindicato promove isso com certeza
A CUT Nacional sempre defendeu que os acordos fossem respeitados desde que favorecem o trabalhador e não o patrão, diz Valeir Ertle. Para ele, a decisão do STF permitindo retirar direitos existentes na legislação, é um retrocesso.
“Infelizmente os empresários são tratados como hipossuficientes, como se eles não pudessem sobreviver se pagarem direitos do trabalhador”, avalia Valeir.
O dirigente conta ainda que a controvérsia sobre o acordado versus o legislado vem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), mas que graças à luta dos sindicatos a proposta não andou, e o governo Lula (PT) enterrou o tema, que voltou com a reforma Trabalhista proposta pelo ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e aprovada pelo Congresso Nacional que, nesta gestão, tem uma enorme bancada empresarial.
Veja em quais direitos o acordado prevalece sobre o legislado
– jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (veja abaixo)
– pacto quanto à jornada de trabalho
– banco de horas anual
– intervalo intrajornada (limite mínimo de 30 minutos em jornadas acima de 6 horas)
– plano de cargos e salários ou cargos de confiança
– regulamento empresarial
– representante dos trabalhadores no local de trabalho
– teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente
– remuneração por produtividade e gorjetas
– modalidade de registro de jornada de trabalho
– troca do dia de feriado
– enquadramento do grau de insalubridade. Reflete no salário e em condições de trabalho. Como por exemplo, ter equipamentos adequados ao trabalho, como roupa para ter acesso à câmara fria de um frigorífico;
– prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
“Esta decisão pode trazer imensos prejuízos à saúde do trabalhador. Por isso, é importante pressionar para que o sindicato prime pelos direitos e que nenhum prejuízo venha a ser imposto ao trabalhador”, afirma Valeir.
– prêmios de incentivo
– participação nos lucros e resultados (PLR) da empresa
“Este é um precedente perigoso porque com a reforma trabalhista era preciso pagar o PLR uma vez ao ano. Agora pode receber todo o mês. O que parece ser uma vantagem, na verdade, pode fazer o patrão incluir o PLR como parte do salário, e não dar reajustes salarias”, diz Valeir.
“O PLR não tem incidência sobre os benefícios trabalhistas, nem sobre a aposentadoria. Um cargo que paga R$ 5 mil de salário por exemplo, pode cair para um recém contratado, para R$ 3 mil e o trabalhador receber os outros R$ 2 mil como PLR, por fora. Então, o trabalhador terá prejuízos mais adiante ao receber o 13º salário, as férias e ao se aposentar”, complementa Valeir.
O que não pode ser negociado
Os direitos contidos no artigo 7ª da Constituição, dos trabalhadores urbanos e rurais, não podem ser mexidos como: salário mínimo, direito a férias, ao 13 salário, entre outros. Confira:
– seguro-desemprego, em caso de demissão sem justa causa;
– fundo de garantia do tempo de serviço;
– salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado;
– décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
– remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
– salário família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
– duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
– repouso semanal remunerado;
– remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% ao normal;
– gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
– licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias;
– licença paternidade, nos termos fixados em lei;
– aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei e;
– aposentadoria, entre outros.
Fonte: CUT